Reportagem de Mário Teixeira (mario.helder10@gmail.com)
Fotografia de Ana Clara Tonocchi (claratonocchi@hotmail.com)
Pauta sugerida por José Geraldo S. Jr. (jota_geraldo@hotmail.com)
Com 28 anos de idade, Roselaine Mendes Ferreira é integrante da coordenação estadual do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR) e vice-presidente de uma ONG chamada Instituto Lixo e Cidadania (ILIX). Entrevistada pelo Núcleo de Comunicação e Educação Popular (NCEP) em 25 de maio, ela expôs questões referentes ao seu trabalho e ao daqueles que, em suas palavras, estão “retirando dos aterros, dos lixões, reaproveitando materiais, pra que sejam extraídos menos recursos naturais”. Frente a um gravador e a uma máquina fotográfica durante quase meia hora, na cooperativa Catamare, em Curitiba, a jovem adulta mostrou muita disposição, descrevendo experiências que hoje fazem dela uma líder.
O que começou como uma pauta abrangente, ligada ao dia-a-dia dos catadores na capital, acabou se unindo a uma história individual de perseverança na defesa dessa categoria. A trajetória profissional de Roselaine, cheia de “idas e vindas na catação”, remete à sua infância, quando “tinha três ou quatro anos” e a mãe a “levava no carrinho pra coletar no Centro”. Hoje, ela própria como mãe, cultiva uma relação bem diferente com sua criança: “tenho um filho de 7 anos e estou separada. Então, quando chego em casa, tenho que ter tempo de dar atenção. Ele não quer saber como foi o seu dia, se foi pesado, se você está cansada ou se não está. Ele quer atenção. E tem que ajudar a fazer o dever de casa”.
Quando estava casada e grávida, aos 17 anos, para sobreviver, Roselaine teve de interromper um estágio no Detran e seus estudos na sétima série: “dois desempregados, dois adolescentes. Eu tive de voltar pra catação”. O retorno foi ao trabalho com o qual já estava familiarizada, para atravessadores. E essa realidade tão desafiadora e tão familiar só começou a mudar quando ela conheceu a Catamare, que passou a ser sua cooperativa e a apresentou ao Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis.
A posição de liderança no MNCR, à qual foi eleita em 2010, para ela, foi consequência de “sempre participar das reuniões” do Movimento e “ser menos tímida pra abordar o catador na rua, ter desenvoltura pra conversar”. É uma responsabilidade política que está diretamente ligada à sua vice-presidência no ILIX: “a gente, como Movimento, não conseguia captar recurso financeiro para fazer esse tipo de articulação com os catadores. Então, o Instituto faz a captação”. Sobre manejar os dois cargos, acrescenta: “não tem muita dificuldade porque é a convivência, é o dia-a-dia, é o que eu já fazia dentro da Catamare enquanto cooperada. Falar de reciclagem com a população pode ser bem mais difícil. Conscientizar pra separar os resíduos orgânicos dos inorgânicos dentro de casa, pra ir à associação. Nesta semana, por exemplo, foi um cachorro morto dentro da coleta seletiva pra a Associação de Recicladores de Pinhais. Então, conscientizar é o maior desafio”.
Nessa problemática, ela também inclui preconceitos que algumas pessoas carregam: “acham que o catador enfeia a cidade. Não acham que trabalha com material reciclável, ainda pensam que é só lixo e que está atravancando rua por caminhar junto com os carros”. Para combater essa ignorância, a vice-presidente do ILIX ajuda a promover campanhas: “a gente costuma dar muita palestra pra universidade mesmo. Então, muitos dizem, antes de conhecer o trabalho, de visitar a associação, de ver a gente triando, que tinham outra impressão do catador. E, depois que conhecem o trabalho, começam a respeitar”.
Além dessa abordagem real, ela está envolvida com formas virtuais de conscientização. As páginas no Facebook do Movimento (fb.com/catadores) e do Instituto (fb.com/instituto.lixoecidadania), por exemplo, comunicam o lado humano das ações dos coletores em vez do lado estatístico que costuma aparecer na grande mídia. São canais alternativos que divulgam ideias como o encontro nacional de mulheres catadoras, programado para julho. Em Pontal do Paraná, o evento tem proposta educativa e motivacional “porque hoje, dentro da profissão, a maioria é mulher que, ao mesmo tempo, é pai e mãe. Em Colombo, por exemplo, tem uma associação só com mulheres. Muitas vezes, abandonadas pelos maridos, espancadas, têm problema com álcool, drogas etc”. Embora sejam questões complexas, garante: “a gente vai tentar trabalhar tudo isso no encontro”.
Segundo a coordenadora estadual do MNCR, não é apenas o cidadão que deve ficar atento à importância dos coletores. O poder público de alguns municípios paranaenses também precisa estar mais engajado: “simplesmente, falta estrutura. Mão-de-obra não é problema, nós sabemos administrar como ninguém. Mas é necessário ter galpão, um barracão com prensa, balança, carrinho etc. Ainda hoje, a gente tem associações como a Almirante Tamandaré, que não tem uma prensa. A prefeitura não dá incentivo. Então, isso prejudica o trabalho deles. Eles não conseguem fazer uma venda com valor melhor se esse material não estiver prensado”. Trata-se de um descaso que contrasta com a gestão curitibana: “aqui, a prefeitura tem o programa ‘Lixo que não é lixo’, que destina os resíduos pra as associações. Acho que o mais importante é que tenha a coleta no município. Com isso, o catador não precisa do carrinho pra ir buscar esse material. O material chega até o barracão”. Graças a essa iniciativa de reaproveitamento, conforme dados da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, 22% de todo o lixo produzido atualmente na capital é reciclado.
Em meio à articulação política dessas demandas pelo Paraná, ela não desanima: “este trabalho que eu faço é pra que as outras associações cheguem no patamar no qual está a minha cooperativa. Quero que estejam ganhando melhor, que tenham uma estrutura melhor. É isso que me motiva realmente”. Parece ser a mesma motivação que ela aplica à vida pessoal, pois, mesmo morando “na periferia, numa favela” e tendo “várias dificuldades” por isso, é assertiva: “Pretendo voltar a estudar este ano”.
Apesar de ainda não ter completado o Ensino Fundamental, Roselaine considera a educação um instrumento indispensável para coordenar a comunidade de catadores: “a gente tem um grau de analfabetismo muito grande. Daí, muitos não sabem os direitos que têm. Realmente, quando trabalha com lixo, acha que faz parte dele. Então, o que a gente busca é fazer com que o catador entenda que hoje sua profissão é reconhecida, que é digno trabalhar dessa forma”.
De acordo com a jovem líder, o fato de vários coletores não conhecerem seus direitos não os impede de compreender a relevância de seus serviços: “o meio ambiente é de todos, e o catador está fazendo esse trabalho pra todos. Não está fazendo só por causa da renda dele. Hoje, ele tem essa consciência ambiental também. Por isso, o catador não está atravancando rua. Da mesma forma que você está indo ou voltando do trabalho, ele também está indo ou voltando do trabalho dele. Por isso, trabalho como catadora por opção”.